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Prêmio ARI e eu

 

Antônio Goulart (*)
Jornalista

 

Meu contato com o Prêmio ARI de Jornalismo começou há muito tempo, há quase meio século. Foi na única vez em que concorri e ganhei o primeiro lugar, com a crônica “De repente, há 20 anos...”, publicada na Revista do Globo. Falava da maior tragédia do século, provocada pelo homem.

 

A abertura do texto era assim: “De repente, há 20 anos... Hiroshima. A cidade desapareceu praticamente do mapa do Japão e surgiu, gigantesca, cinzenta, sob a forma de um cogumelo de fumaça, no mapa do mundo”.

 

Naquele ano de 1965, o Prêmio ARI era patrocinado pela Caixa Econômica Estadual. Recebi o cheque (ainda não havia troféu) das mãos do presidente da instituição, Synval Guazzelli, numa cerimônia simples, na sede do banco, na Rua Dr. Flores. Entre os demais colegas premiados, lá estavam Lourival Vianna e Silva, Antônio Gonzalez e Eloy Dias dos Angeles (reportagem), Aluysius Schneider (2º. lugar em crônica), Bernardo Gothe e Luiz Carlos Contursi (televisão), Sampaulo (charge), Alberto Etchart e Lemyr Martins (fotografia).

 

Anos mais tarde, no início da última década, passei a conhecer e a viver os bastidores e as entranhas do Prêmio ARI, coordenando a sua comissão julgadora. Tarefa complexa e delicada, não raras vezes exigindo jogo de cintura para equilibrar a variedade de opiniões e até a exaltação de ânimos. Mas, no final, sempre predominou o senso comum. Já a reação externa, de muitos não ganhadores, por demais confiantes no próprio talento, muitas vezes, ganhou contornos exacerbados. A frustração, não faz muito, levou um conhecido cronista da praça a criticar pesadamente a comissão e a jurar nunca mais participar do concurso.

 

Já o lado gratificante do Prêmio ARI para quem o organiza supera tudo isso. É a satisfação de ver a alegria e o orgulho do ganhador quando ouve o anúncio do seu nome e sobe ao palco para receber o troféu, o certificado e o cheque compensatório. É o reconhecimento de um trabalho bem feito. Uma conquista que enriquece qualquer currículo e ganha lugar de destaque numa estante.

 

Já supera os 10 anos o tempo em que estou à frente dessa mais duradoura iniciativa da Associação Riograndense de Imprensa, sinto que devo passar a tarefa para outras mãos. O Prêmio ARI está a exigir reformulações e ideias novas, para acompanhar a evolução do mundo das comunicações. O momento é oportuno para mudanças. É o que espero venha a acontecer a partir de 2014.*) Jornalista e Diretor Cultural da ARI

​Meu encontro com Lin Yutang

Antônio Goulart (*)
Jornalista
 
 
No momento em que a China, com suas últimas reformas econômicas, se encontra nas manchetes do mundo, me vem à memória a figura do filósofo Lin Yutang. Nascido em 1895, adotou os Estados Unidos como segunda pátria e lá passou quase toda a vida. Conseguiu renome mundial como escritor, tradutor, educador, humanista e divulgador da cultura chinesa.
Meu encontro com Lin Yutang aconteceu em novembro de 1959, quando visitou Porto Alegre. Obtive dele uma entrevista para a Revista do Globo, onde, ainda estudante, iniciava a minha carreira. Cortesmente, autografou-me, com caracteres chineses e ocidentais, o seu livro “A Sabedoria de Confúcio”. Em seguida, passou a responder, de forma extremamente sintética, como cabe a um mestre oriental, às perguntas que eu havia preparado. Transcrevo aqui parte da matéria publicada. Vale a pena conhecermos, mesmo que defasado pelo tempo, o pensamento deste homem singular.
 
- Qual o seu ideal de felicidade?
- Uma mulher compreensiva, uma boa cozinheira, um cachimbo e uma pequena biblioteca.
- Qual preceito de Confúcio que mais admira?
- Observa a conduta humana primeiro para estudá-la depois.
- A qualidade que mais admira no homem e na mulher?
- O homem deve ser razoável, e a mulher, compreensiva.
- O principal traço do seu caráter?
- Amo a liberdade e odeio a pompa e a hipocrisia.
- Qual o seu principal defeito?
O filósofo sorri, larga o cachimbo no cinzeiro, limpa os óculos e responde:
- Não gostar de ir ao dentista.
- Possui algum lema?
- Sim, este: Admira sempre o que há de bom nos outros, mas não esqueça de  admirá-lo também em si mesmo.
- Qual o invento que gostaria de ter realizado?
- A melhor máquina de escrever.
- O que faz quando não tem nada o que fazer?
- Fumo.
- Qual a personalidade masculina que mais o impressionou até hoje?
- O filósofo, primeiro-ministro e general Tseng Ko Fan que viveu há uns duzentos anos.
- A maior decepção que já teve?
- A Rússia.
- Onde gostaria de viver?
- Em Riviera e Sorrento.
- Uma receita para o homem ser feliz?
- Somente isto: procure encontrar o trabalho do seu gosto.
- O que faz mais falta no mundo de hoje?
- O pensamento claro e a verdade.
- Como gostaria de morrer?
- Sentado na minha poltrona, bem velhinho, depois do jantar, com o cachimbo na boca.
Não chegou a alcançar plenamente este desejo. Lin Yutang morreu, aos 81 anos, em 1976, de parada cardíaca complicada com pneumonia, após cinco dias de hospitalização. Entre os 40 títulos de sua obra, o mais popular foi “A Importância de Viver”.
 
*) Jornalista e pesquisador. Diretor Cultural da ARI (angoulart@via-rs.net)
 

Vozes da Feira

Antônio Goulart (*)

Jornalista

 

Com 59 anos de existência, a Feira do Livro de Porto Alegre já tem a sua história. Vale a pena recordar alguma coisa do seu passado. Com o título de “Vozes da Feira”, publiquei, em 1965, no Correio do Povo, uma crônica em que registrei apenas frases avulsas, observações e diálogos ouvidos aleatoriamente durante uma caminhada entre os estandes da 11ª edição da mostra. Aqui, alguns exemplos:

 

Um adolescente negro diante do livro Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado: “Se for bom como o título, deve ser muito gostoso”.

 

Diálogo entre dois rapazes sobre determinado autor: “É um cara que escreve sobre tudo”, diz o primeiro. O outro observa: “Mas também, ele só sabe fazer isso”.

        

Uma jovem mãe, ao lado de Mario Quintana, explica para a menina curiosa que quer ouvir dele uma poesia: “Ele não sabe de cor todos os versos, minha filha. Ele não guarda tudo na cabeça”. O poeta, sorrindo, concorda: “É verdade. Eu faço e depois esqueço”.

        

De um grupo de moças colegiais sai essa observação: “Lá em Restinga, as gurias da 4ª série leram, mas ninguém entendeu nada”. Diante delas estava o livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir. 

          

Duas jovens, lendo em voz alta o índice de um livro, no tópico “Como fazer-se amar pelas mulheres”, comentam: “Não, isso não nos interessa”. E fecham o volume.

       

A mulher para o marido, diante de algumas capas: “Até o Davi Nasser! Deus me perdoe”.

        

Uma idosa, em frente à barraca da Livraria Espírita, pergunta ao vendedor: “Este é o livro que fala de um planeta que se choca com a Terra e depois surge uma nova civilização”?

        

Num grupo de mulheres, ouve-se este comentário: “O filme está muito encurtado. As cenas mais violentas, mais enfáticas, passam assim, rápidas”.

        

Mulher puxando a filha pequena pela mão: “Não me fale mais. Eu vou comprar, mas tenha paciência”!

 

*) Jornalista, diretor Cultural da ARI – angoulart@via-rs.net

 

 

Rubem Braga,

o paraninfo

 

ANTONIO GOULART

JORNALISTA

 

A iniciativa de convidar o cronista Rubem Braga para paraninfo da primeira turma de formandos do curso de jornalismo da UFRGS, em 1954, foi de Antônio Carlos Ribeiro (falecido em setembro do ano passado), que já trabalhava no Correio do Povo. Ninguém do grupo acreditava que o já famoso jornalista-escritor se dispusesse a vir, mas ele concordou, apenas com a garantia de que não precisaria fazer discurso. Seria sua segunda vinda a Porto Alegre.

 

Rubem Braga, como não podia deixar de ser, foi a principal atração da solenidade de colação de grau, na noite de 12 de dezembro, 59 anos atrás. A lotação completa do anfiteatro da Faculdade de Filosofia deveu-se muito à sua presença. Não estava prevista nenhuma fala do ilustre mas arredio paraninfo, mas ele não teve como fugir do microfone quando foi provocado a usar da palavra.

 

De improviso e um tanto desajeitado, lembrou sua chegada a Porto Alegre, 15 anos antes, em 1939, quando desembarcou de um navio sabendo que a polícia o esperava, era acusado de ligações com o partido comunista. Mesmo assim, lá estava um amigo para recepcioná-lo, era o jornalista Carlos Reverbel, que foi detido junto, segundo o cronista.

 

Rubem Braga – conforme a cobertura feita pelo Correio do Povo - relatou depois o que ocorrera, então, na despedida da cidade, meses mais tarde. Disse que na hora do embarque apareceu no porto um homem que, arriscando perder o próprio cargo, fez questão de lhe dar um abraço, “diante do espanto dos honrados tiras que me cercavam”. Contou que o estranho pediu para sair em uma fotografia ao seu lado, com esta explicação: “Para que não se dissesse jamais que um jornalista livre fora expulso do Rio Grande do Sul sem que, mesmo em plena ditadura, houvesse dentro do governo gaúcho alguém que lançasse um protesto formal”.  Esse homem, revelou Braga, era o escritor Manoelito de Ornellas, que na época chefiava o escritório regional do DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda, do Estado Novo de Vargas. E Manoelito esteve presente na solenidade de 1954.

 

Após este relato, dirigindo-se aos formandos, Rubem Braga enfatizou: “Estais vendo, meus jovens paraninfados, que em vossa terra eu não dou, eu recebo lições de liberdade e altivez”.   

 

O orador acentuou ainda que todos os formando já vinham atuando na profissão, por isso, “a rigor, o diploma que hoje recebeis não vos dá nenhuma vantagem material, não abre caminho a nenhuma posição, nem melhora em coisa alguma vossa carreira profissional. Viestes estudar por amor ao estudo; pela consciência de que sempre há muito que aprender; e vosso gesto possui aquela humildade de espírito que é marca superior da inteligência”.

 

Ao concluir, deixou como único conselho: “Sede, na imprensa e na vida, fiéis a vós mesmos e ao vosso sentimento. Já vivi bastante para saber que só vale a pena o que se faz com serenidade e com amor”.

Após a cerimônia, os formandos levaram o paraninfo, que apreciava a vida boêmia, até um bar vizinho, onde festejam até tarde a conquista do diploma.

 

*) Jornalista, Diretor Cultural da ARI (angoulart@via-rs.net)

 

 

Revisando

com Vinicius

Antônio Goulart (*)

Jornalista

        

Na semana em que se comemora o centenário de nascimento de Vinicius de Moraes (19 de outubro), lembro do encontro que tive com o poeta. Foi um encontro, digamos, profissional, mas de significado marcante. Sentados, frente a frente, fizemos juntos a revisão das provas de um de seus livros, ilustrado com fotografias do então jovem Pedro Moraes, filho do poeta.

 

Isso aconteceu no distante ano de 1965. Recém-formado, estagiei por alguns meses no atelier de artes gráficas e editora de meu irmão Marcelino, no Rio de Janeiro. Ficava no bairro Jardim Botânico, Rua Lopes Quintas, quase nos fundos da TV Globo, há pouco inaugurada.

        

Certo dia, no final de uma manhã, lá apareceu Vinicius, acompanhado do amigo e parceiro Tom Jobim. Uma das marcas do poeta: não gostava de andar sozinho, como deixou registrado nos versos de uma de suas canções: “Mesmo o amor que não compensa / é melhor que a solidão”.

 

Espalhafatosos, os dois logo tomaram conta do ambiente. Vinicius,  comentando que tinha uma ligação sentimental muito grande com aquela rua, pois fora ali que nascera. Tom, querendo saber se Tônia Carrero, moradora ao lado, estaria em casa. Ao que o companheiro retrucou: “A esta hora, ela deve estar dormindo. Não vamos perturbá-la”. Vinicius tinha ido para conferir a impressão de seus poemas. Foi aqui eu que entrei de parceiro.

        

Sentados, frente a frente. Ele com as provas tipográficas nas mãos e eu com os textos originais. Sem copo de uísque no meio. A tarefa exigia concentração. Tudo corria na normalidade, até o momento em que lhe chamei a atenção para uma vírgula mal colocada, do ponto de vista gramatical. Vinicius não concordou, levantando a voz, mas de forma amistosa:

 

- Olha aqui, meu querido. Esta é uma das liberdades a que eu ainda me permito, já que outras... (estávamos em pleno regime de 64). É a liberdade poética de poder colocar uma vírgula onde eu achar melhor.

        

E, voltando-se para o companheiro que conversava outras pessoas, gritou:

- Oh, Tom, você não concorda comigo

- Concordar com o quê? – quis saber o maestro.

- Que eu posso jogar com as vírgulas sem a rigidez das regras?

- Claro que pode, Vinicius. Você é poeta. Eu também faço isso muitas vezes com as notas musicais.

        

Quem era eu para discordar. Assim, os sonetos de Vinicius de Moraes saíram, pelo menos, poeticamente corretos e perfeitos, no livro “O Mergulhador”. Só lamento não ter podido pegar o autógrafo do autor, mais tarde, no exemplar numerado que guardo comigo há quase 50 anos. 

 

*) Diretor Cultural da ARI angoulart@via-rs.net

 

 

Pseudônimos

e jornalistas

 

ANTÔNIO GOULART (*)

Jornalista

                 

Jornalistas sempre gostaram de pseudônimos

        

Alguém já definiu os pseudônimos como nomes lúdicos que funcionam como máscaras num baile à fantasia. Já foram muito usados no passado, sobretudo na imprensa; hoje, nem tanto. Puxando pela memória, recolhi alguns casos entre nossos jornalistas ou escritores-jornalistas.

        

Tenório – Foi utilizado por Caldas Júnior, nos primórdios do Correio do Povo. Durante muito tempo esta palavra serviu também como endereço telegráfico da empresa por ele fundada.

        

Barão de Itararé – Um dos mais notórios criptônimos. Marca inconfundível de Aparício Torelli, homem de imprensa e humorista gaúcho, falecido em 1971.

        

Amigo Velho – Assim se intitulava Erico Veríssimo no programa “Hora Infantil” que manteve na Rádio Farroupilha, no final da década de 30, até a intervenção da censura do Estado Novo.

        

Gilbert Sorrow – Outro nome falso de que se serviu Erico Veríssimo para assinar alguns contos na Revista do Globo, onde foi secretário e diretor. Outra identidade fictícia criada pelo escritor foi Gilberto Miranda, que aparecia na maioria das matérias tapa-buraco da revista.

        

Philleas Fog – Nome do personagem de “A Volta ao Mundo em 80 Dias”, de Júlio Verne, sob a qual Josué Guimarães se escondia, em 1971, por motivos políticos, quando assinava suas matérias nos jornais. Josué usou ainda mais dois: Dom Camilo, na Folha da Tarde, década de 50, e Dom Xicote, no Diário de Notícias e em A Hora, onde costumava dar muitas alfinetas nos homens públicos da época.

        

Jotabê – Respeitado e talentoso cronista do antigo Correio do Povo.

        

Hilário Honório – Adil Borges Fortes da Silva foi um dos mais populares cronistas da Folha da Tarde. O nome fantasia pegou tanto, que o titular passou a ser assim tratado pela maioria dos colegas.

        

Bodoque – Como Roberto Eduardo Xavier assinava suas crônicas nos veículos da antiga Caldas Júnior.

        

Dom Luiz – Adail Borges Fortes da Silva (irmão de Adil), secretário do Correio do Povo,  quando subscrevia suas crônicas eventuais, para falar exclusivamente do Grêmio, cuja paixão cultivava como uma religião.

        

Calvero – Como admirador de Charles Chaplin, P. F. Gastal assim identificava suas crônicas de cinema na Folha da Tarde.

Mais remotamente, tivemos no Rio Grande do Sul, entre muitos outros:

        

Pedro Boticário – Pedro José de Almeida, jornalista de A Idade do Pau, que circulou durante da Revolução Farroupilha, e

        

Prosódia – Antônio da Silva Monteiro, redator do jornal O Mestre Barbeiro. É considerado o nosso primeiro correspondente de guerra. Foi a primeira vítima da Guerra dos Farrapos, na ponte da Azenha, na noite de 19 de setembro de 1835.

 

Parece que os chargistas sempre tiveram uma predileção por pseudônimos.  A começar por Sampaulo (Paulo Brasil Gomes de Sampaio), um dos mais renomados dos últimos anos. Estão ai também seus seguidores atuais: Santiago (Neltair Rebés Abreu), Tacho  (Gilmar Luiz Tatsch),  Moa (Moacir Knorr Gutterrez) e Radicci (Carlos Henrique Iotti), entre outros.

 

Na área do cinema, tivemos o Goida (Hiron Goidanich), presente durante muito tempo nas páginas de Zero Hora. Também na RBS, tornou-se popular, até recentemente, Tatata Pimentel, que ninguém conhecia pelo verdadeiro nome: Roberto Valfredo Bicca Pimentel.

 

Em âmbito nacional, destaque para três nomes:

Vão Gôgo – Como Millôr Fernandes assinava a divertida página “Pif-Paf”, na revista Cruzeiro.

Stanislaw Ponte Preta – Oficialmente, Sérgio Porto, versátil cronista carioca, falecido em 1968.

Jacinto de Thormes – O introdutor no Brasil do moderno colunismo social, Manoel Bernardez Muller, também chamado de Maneco Muller.    

          

*) Diretor Cultural da ARI

   angoulart@via-rs.net

 

 

 

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