top of page

A vida pede atitude

 

A família era humilde. Assim, o menino nascido em Rio Pardo, no dia 27 de novembro de 1954, calçou seu primeiro par de sapatos somente aos 10 anos de idade. Mas já sabia da existência de um mundo imenso e rico além de sua paisagem cotidiana, porque ouvia a rádio Guaíba.

 

Influenciado por ela decidiu que seria jornalista. Estava com 14 anos.

Depois também virou empresário, como dono da Editora Tchê. Mas tomou uma decisão revolucionária quando voltava de uma viagem ao México: aposentar a rotina e abdicar do conforto para se aventurar em viagens radicais. Desde então foi ao Tibete, ao Kilimanjaro e a outros lugares em que mortais comuns não ousam colocar seus pés. Desde então escreveu 15 livros. E, em dois deles, revela mais uma face: a de romancista. Sua obra mais recente é Atenas, que ele vai autografar na Feira do Livro.

 

No perfil dele, publicado no site Coletiva, Ortiz diz: “Já me perguntaram se é difícil escalar uma montanha, mas o difícil mesmo é chegar à conclusão de que escalar aquela montanha é importante pra ti. Tem que ter CHA: Conhecimento, Habilidade e Atitude, ou seja, tem que se conhecer em primeiro lugar, tem que possuir habilidades e, o mais importante, é necessário atitude para colocar tudo isso em prática. Sem atitude somos simples mortais e não iremos a lugar nenhum.”

 

No livro “Pelos caminhos do Tibete”, uma atitude dele serve de ponto de partida para esta entrevista. Tem a ver com a liberdade de imprensa. E, de certa forma, cabe no momento atual, quando discutimos se as biografias precisam da prévia autorização do biografado. Na página 123 do livro, Ortiz conta o diálogo que teve com um casal alemão, logo depois de  sua conversa com um chinês em um bar de Lhasa, a capital do Tibete.

 

Quando revela ao casal que gravou o que ouviu do jovem sem avisá-lo disso, Corinna e Volker estranham e perguntam se o budismo permite isso. O escritor responde que não é budista. “Mas o que é, então? – quer saber Corinna. A resposta de Ortiz:  “Sou jornalista".

 

 

P - O jornalista pode atravessar a fronteira entre a sua necessidade de saber e o direito que o outro tem a se guardar? Na existência de um limite, qual é?

Airton Ortiz - Quando o entrevistado for citado na matéria com o seu nome verdadeiro ele tem o direito de saber que está falando para esse fim, isto é, para ser publicado. Nesse caso, o jornalista pode perguntar o que quiser e o entrevistado pode responder o que quiser. Esse é o limite. Mas se o entrevistado não for citado, ou se for citado com um pseudônimo, o jornalista pode usar a informação obtida sem que a fonte saiba que está falando para ser publicado. Assim, protege-se a pessoa sem precisar omitir a informação do leitor.

 

P - O fato de uma pessoa ser o que chamamos de "pública" não lhe deixa nenhum espaço para arquivo pessoal?

Ortiz - Há dois tipos de pessoa pública: aquela que só é notícia porque é pública, isto é, as que são celebridades somente porque se expõem publicamente; e as que são públicas devido à sua obra. Uma pessoa que é famosa apenas porque expõe sua vida em público não pode reclamar de invasão de privacidade. Pelo contrário: ela se promove justamente por isso. Já aquelas que são famosas por sua obra podem, e devem, ter a obra exposta em todos os detalhes, mas deve haver limites quanto à vida pessoal. Em caso de conflito de interesses entre o livro publicado pelo biógrafo e o biografado, recorra-se à justiça. Um grande escritor, por exemplo, não pode reclamar das críticas aos seus livros. Mas pode exigir privacidade na sua vida pessoal. Exceto, é claro, se a vida pessoal dele for fundamental para compreendermos sua obra. Infelizmente, no Brasil as pessoas são mais famosas por si mesmas do que pela obra, então há essa confusão.

 

P - Roberto Carlos e cia - Caetano Veloso no meio - querem impedir a publicação de biografias não autorizadas. Você acha que devem ser atendidos pela justiça?

Ortiz - As biografias devem ser publicadas independentemente de o biografado concordar ou não. Caso ele se sinta ofendido, deve procurar reparação na justiça. Chamamos isso civilização.

 

P - Nas tuas andanças pelo planeta, já te deparaste com situações que resolveste deixar de lado em teus livros por achar que seriam invasivos com as pessoas envolvidas?

Ortiz - Quando acho que a pessoa poderá ser prejudicada por eu revelar o que me contou costumo usar um pseudônimo. Isso é comum quando estamos em países ditatoriais. Sonego do meu leitor o nome da fonte, jamais o fato. Claro, isso caso se trate de fato relevante para a história que estou contando no livro.

 

P - Estarás na Feira do Livro com Atenas, segundo soube. Para onde vai te levar a próxima viagem? E quando?

Ortiz - Meu próximo livro será sobre Paris. Pretendo morar por lá no ano que vem e voltar com ele pronto. Serão crônicas sobre a cidade, como já fiz com Havana, Jerusalém e Atenas. A ideia é mostrar para o leitor a alma da cidade, aquilo que o turista não tem tempo pra ver.

 

P - Qual foi o livro mais difícil de ser construído? E como foi a transição da aventura radical para o romance (uma aventura mais radical ainda?)

Ortiz - O livro mais difícil foi o “Pelos caminhos do Tibete”, exatamente por retratar o país dos monges budistas sob o domínio da ditadura chinesa. Nesse livro, para proteger as pessoas com quem falei, dei-lhes pseudônimos. Mas não soneguei os fatos aos meus leitores. Eu fui o último jornalista a entrar de forma independente no Tibete e, por isso, até hoje a imprensa mundial me consulta quando há conflitos por lá. Tanto na reportagem quanto no romance as histórias são as mesmas porque a ficção imita a realidade, e vice-versa. Em especial no meu projeto literário. O que muda é a linguagem. E como! Uma boa reportagem deve ser precisa, não pode deixar espaço para a dúvida do leitor. Um bom romance deve ser impreciso, deixando espaço para o leitor completar a história a partir das suas referências pessoais. Como escrevo reportagem, crônica e romance, gosto de dizer que em termos de linguagem a reportagem informa, a crônica sugere e o romance insinua.

bottom of page